quarta-feira, 18 de maio de 2011

PEC da discórdia. Recursos extraordinário e especial com caráter de ação rescisória

O Ministro Cezar Peluso, Presidente da Corte Suprema, preocupado com o excessivo número de processos que tramitam nas Cortes Superiores (STF e STJ), resolveu propor uma Emenda Constitucional conferindo aos recursos extraordinário e especial o caráter de ação rescisória.
Logo, vozes se levantaram contra essa propositura encampada pelo Senador Ricardo Ferraço do PMDB, pois nela enxergaram atentado a direito fundamental protegido por cláusulas pétreas.
Porém, há que se atentar, também, para o princípio da razoável duração do processo introduzido pela EC nº 45/2004, como também para o princípio da efetividade de jurisdição ínsito na Constituição Federal em sua redação original.
Justiça tardia é o mesmo que injustiça!
Hoje, se o cidadão mover uma ação contra o poder público, por exemplo, só vai conseguir ultimar o processo de conhecimento na segunda geração, tanto são os recursos de que se valem as Fazendas para discutir, às vezes, o indiscutível.
Nas Cortes Superiores é comum a interposição de Embargos Declaratórios no Agravo Regimental interposto contra decisão que rejeitou os Embargos Declaratórios.
Vencida a fase de conhecimento vem a fase de execução, com a expedição de precatórios "impagáveis", objetos de duas Emendas Constitucionais, com dispositivos cada vez mais nebulosos a suscitar controvérsias judiciais antes inexistentes, nem imaginados. Tanto é que apesar de depositados bilhões à disposição da Justiça, desde o ano passado, ninguém conseguiu, ainda, receber o valor dos precatórios. Antes não se pagava por falta de recurso financeiros, agora, porque as normas da EC nº 62/09 que regem os precatórios são confusas e algumas delas inexequíveis. Dessa forma, a efetiva percepção material do direito proclamado vai para a terceira ou quarta gerações.
Isto é justo? Pode-se ignorar esses fatos?
Ninguém vai a juízo para obter uma bela decisão digna de ser emoldurada ou publicada em livros e revistas especializadas. As pessoas procuram o Judiciário porque precisam realizar materialmente o direito que têm ou julgam tê-lo.
Deve-se lembrar, também, que no âmbito das execuções fiscais nem mesmo os embargos à execução, muito menos as apelações vêm sendo recebidas com efeito suspensivo por conta da aplicação da teoria do dialogo das fontes, ou seja, da aplicação dos dispositivos do CPC que dizem que a execução fundada em título líquido e certo é definitiva e não provisória. Lembre-se que há um preceito constitucional prescrevendo que "ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (art. 5º, LIX, da CF). Será que a expropriação de bens do executado na pendência de embargos ou o bloqueio indiscriminado da conta bancária do devedor não ofende esse princípio?
Salvo manifestação de tributaristas, ninguém mais se preocupou com esse assunto.
Não estou defendendo a tese da abolição do princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF), mesmo porque como assinala, com propriedade, o ilustre jurista Antonio Claudio Mariz de Oliveira a liberdade é o bem supremo do cidadão. Disso não tenho dúvidas!
Pondere-se, no entanto, ainda que seja aprovada a PEC nos termos propostos sempre restará o caminho do habeas corpus na seara do direito criminal.
Aliás, segundo as estatísticas do STF dos dois últimos anos, reveladas pelo Ministro Cezar Peluso, dos 70 mil processos levados ao Pretório Excelso Nacional, os recursos extraordinários tomaram 5.700, dos quais foram providos apenas 155. Desses 155 recursos extraordinários providos a maioria esmagadora refere-se a recursos interpostos pelo órgão acusatório, isto é, os provimentos agravaram a situação dos réus.
Mas, nada impede que em nome de um único caso em que se deu provimento ao recurso do réu, como dito na entrevista do Ministro Cezar Peluso (o Estado de São Paulo, do dia 15-05-2011, p. j4) se exclua da PEC os recursos extraordinários de natureza criminal.
Mesmo com essa exclusão, o avanço seria fantástico, em termos de efetividade da jurisdição pois inibiria a ação do maior gladiador judicial do mundo moderno, que é o poder público, responsável por cerca de 77% dos processos na condição de autor e 69% na condição de réu.
Outra proposta alternativa, aliás, bastante razoável seria a de conferir caráter rescisório apenas ao recurso extraordinário. Explico. A Constituição de 1988 criou e conferiu ao STJ a missão precípua de uniformizar a aplicação de lei federal em todo o território nacional.
A Pec, como está redigida praticamente esvazia a principal missão do STJ. Ao permitir a execução definitiva dos julgados de 2ª instância não se pode considerar apenas a atuação dos tribunais de alguns Estados como, por exemplo, a do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mas deve considerar o universo de tribunais estaduais e regionais sediados em outros Estados da Federação em que a influência do Executivo transparece nitidamente em alguns desses tribunais.
Enfim, são propostas que devem ser consideradas e discutidas sem paixão e sem radicalismo. Assegurar direito a recursos e não assegurar direito à efetividade da jurisdição é privilegiar o aspecto processual em prejuízo do direito material.

NBR 6023:2002 ABNT

HARADA, Kiyoshi. PEC da discórdia. Recursos extraordinário e especial com caráter de ação rescisória. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2876, 17 maio 2011. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/19125. Acesso em: 17 maio 2011.

domingo, 8 de maio de 2011

A responsabilidade civil decorrente das compras coletivas

As chamadas compras coletivas nunca estiveram tão em voga. Em síntese, trata-se de um elaborado sistema de compras cooperadas realizadas por consumidores de bens e serviços, que são beneficiados através da concessão de descontos extremamente atrativos, fazendo com que o preço final das mercadorias seja muito abaixo daquele praticado no mercado.
O início desta política de concessão de descontos remonta aos Estados Unidos da América, cujo povo, mesmo antes do surgimento do comércio eletrônico, sempre nutriu um apreço muito grande por ofertas e promoções. Ainda hoje nos EUA é bastante comum que grandes redes atacadistas disponibilizem aos seus consumidores cupons de descontos em meio físico, geralmente encartados em listas telefônicas ou folders promocionais.
O mundo digital, por sua vez, absorveu tal prática há alguns anos. Inicialmente, de forma tímida, através do envio pontual de e-mails contendo cupons promocionais, que poderiam ser usados quase que exclusivamente em lojas virtuais.
Em seguida, no entanto, foram criados sites especializados unicamente na divulgação e venda de produtos e serviços em preços promocionais, tendo como marco deste segmento o surgimento do "Groupon", nos EUA em 2008, sendo esta a empresa online com o crescimento mais rápido de toda a história, detendo, ainda hoje, o título de maior site de compras coletivas do mundo. Para que se tenha uma idéia do tamanho deste mercado, estima-se que o Groupon deva faturar no ano de 2011 cerca de US$ 1 bilhão de dólares.
No Brasil, empresas com este propósito começaram a surgir apenas na metade do ano de 2010, capitaneados por uma filial do já citado Groupon, seguido por uma série de sites que hoje são os maiores do setor como o "Peixe Urbano", "Imperdível", "Qpechincha", "Clickon", dentre outros.
O fato é que a atividade se tornou um negócio extremamente lucrativo havendo estimativas que dão conta da existência de mais de 1000 sites de compras coletivas apenas no Brasil.
Embora engenhoso, o mecanismo de venda destes sites é bastante simples. O anúncio proveniente de diversos fornecedores é publicado no domínio do site e este simplesmente faz a ligação entre os compradores e o fornecedor em questão.
Para efetuar a compra, é necessário que o consumidor realize um cadastro prévio junto ao site. Havendo interesse pela oferta, basta ao usuário dar alguns poucos cliques e pagar sua nova aquisição através de cartão de crédito ou boleto bancário. Após o pagamento, o consumidor tem apenas que imprimir e apresentar ao fornecedor final um cupom contendo um código de segurança que é disponibilizado pelo site. Assim, poderá de imediato ser efetivada a fruição do produto ou serviço adquirido.
O sistema apresenta vantagens para todas as partes evolvidas. Os sites ganham comissões por cada venda realizada. Para os fornecedores o maior ganho talvez seja a publicidade gerada, capaz de atrair uma leva de novos clientes, além de também lucrarem, obviamente, com a venda dos produtos. Para os consumidores a vantagem reside na possibilidade de compra de produtos e serviços a preços indiscutivelmente promocionais, visivelmente abaixo dos preços praticados no mercado.
O consumidor, entretanto, tem de estar ciente de seus direitos caso surja algum problema durante o processo de aquisição ou fruição de bens e serviços adquiridos nos sites de compras coletivas. Com certa freqüência ouvem-se relatos da existência de serviços mal prestados e produtos defeituosos oriundos desta modalidade de negociação. É neste instante que o Código de Defesa do Consumidor (CDC, Lei n. 8.078/90) entra em cena, regulando direitos e obrigações das partes.
Analisando a hipótese acima aventada, estar-se-ia diante de um clássico caso de responsabilidade civil decorrente de um dano causado ao consumidor. Cabe-nos, pois, delimitarmos os parâmetros desta responsabilidade tendo em vista a participação de cada um dos sujeitos existentes no negócio.
Quanto ao fornecedor "final", ou seja, aquele que expõe sua oferta nos sites de compras coletivas e que possui contato direto com o consumidor, não parece haver maiores dificuldades; sua responsabilidade é objetiva, conforme delimitam os artigos 12 e 14 do CDC.
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos
Questão interessante se coloca, no entanto, quando da delimitação da responsabilidade das empresas proprietárias dos sites. Nos "termos de uso" de aludidos sites é comum depararmos com cláusulas prevendo que a empresa não poderá ser responsabilizada por qualquer dano proveniente da negociação. Estariam estas empresas, desta forma, eximidas de toda e qualquer responsabilidade pelas compras realizadas em seus domínios? Evidentemente que não! Estas abusivas cláusulas não possuem a menor validade jurídica.
É que a responsabilidade dos sites também é objetiva, na medida em que eles, aos olhos do CDC, são considerados fornecedores para todos os fins. Válido observar que em seu artigo 3º o CDC conceitua o fornecedor como sendo toda pessoa física ou jurídica, que desenvolva atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Ora, estas empresas não fazem outra coisa a não ser comercializarem produtos e serviços, aferindo, inclusive, altos percentuais sobre cada venda realizada. São, portanto, fornecedores como qualquer outro.
Desta forma, poderá o consumidor demandar judicialmente tanto o fornecedor direto dos produtos e serviços como os sites de compras coletivas, havendo, inclusive, responsabilidade solidária entre os dois. É exatamente o que estabelece o artigo 25 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.
§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.
§ 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.
A compra coletiva é um valioso instrumento posto à disposição do consumidor, devendo este apenas ter ciência de seus direitos e agir com a cautela devida, evitando comprar apenas por impulso, sob pena de comprometer o orçamento.

LIMA, Denis Eduardo Pontes Santos. A responsabilidade civil decorrente das compras coletivas. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2866, 7 maio 2011. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/19053. Acesso em: 7 maio 2011

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Ministra indefere HC de acusado de manter casa de prostituição em SP

A ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu o Habeas Corpus (HC 107981) ajuizado pela defesa de J.F.S., acusado de manter uma casa de prostituição em São Paulo. A decisão da ministra baseou-se na Súmula 691, que impede ao tribunal analisar habeas corpus quando este contestar decisão liminar, de outro tribunal superior, que tenha sido indeferida.
De acordo com o HC, a Polícia Civil do Estado de São Paulo instaurou inquérito para apuração do crime previsto no artigo 229 do Código Penal (manter casa de prostituição). O estabelecimento comercial foi investigado e, na oportunidade, foram apreendidos alguns objetos. A 4ª Vara Criminal de Osasco (SP) indeferiu o pedido de trancamento do inquérito instaurado. A defesa do acusado impetrou HC perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que foi indeferido, restando pendente a análise do mérito do mesmo.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a liminar foi indeferida. No STF, a defesa do acusado pedia o abrandamento da Súmula 691 e, no mérito, o reconhecimento da ilegalidade da diligência realizada no estabelecimento do acusado, consistente na ausência de flagrante e de mandado de busca e apreensão. Pedia também o deferimento da liminar para impedir o indiciamento do acusado no inquérito policial.
Segundo a ministra Ellen Gracie, o afastamento da Súmula 691 acarretaria dupla supressão de instância, visto que no STJ a liminar também foi indeferida pela mesma questão. Assim, a ministra negou seguimento ao HC.
KK/CG
Processos relacionados
HC 107981

Fonte: STF
Acessado:03/05/2011 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178462